POBREZA PESSOAL E LITÚRGICA

Jesus proclamou a primeira bem-aventurança para os pobres de coração. O Papa Francisco tem insistido na Igreja dos pobres. Os santos são o grande exemplo de pobreza pessoal a ser por nós imitado. Mas não devemos confundir a pobreza pessoal, desapego dos bens terrenos e simplicidade em nossa vida pessoal, com pobreza litúrgica e das coisas devidas a Deus. Os santos, pobres pessoalmente, foram os que mais construíram esplêndidas, belíssimas e ricas igrejas e catedrais e usaram toda a magnificência litúrgica para a glória de Deus.

São João Maria Vianney, o modelo de todos os sacerdotes, exigia tudo de melhor para a sua Igreja, tais como estandartes bordados a prata, ostensórios artísticos de prata dourada, baldaquino de veludo, paramentos de seda, bordados a ouro, etc. E dizia: “Uma batina velha fica muito bem debaixo duma casula bonita” (Francis Trochu, O Cura d’Ars): pobreza pessoal e riqueza litúrgica.

Falando sobre a beleza da liturgia e respondendo às “acusações de ‘triunfalismo’, em nome das quais se jogou fora, com excessiva facilidade, muito da antiga solenidade litúrgica”, o então Cardeal Ratzinger explicava: “Não é triunfalismo, de forma alguma, a solenidade do culto com que a Igreja exprime a beleza de Deus, a alegria da fé, a vitória da verdade e da luz sobre o erro e as trevas. A riqueza litúrgica não é riqueza de uma casta sacerdotal; é riqueza de todos, também dos pobres, que, com efeito, a desejam e não se escandalizam absolutamente com ela. Toda a história da piedade popular mostra que mesmo os mais desprovidos sempre estiveram dispostos instintiva e espontaneamente a privar-se até mesmo do necessário a fim de honrar, com a beleza, sem nenhuma avareza, ao seu Senhor e Deus” (A Fé em crise? E.P.U, pág. 97).    Sobre a Música Sacra no atual período pós-conciliar, Ratzinger fazia o seguinte comentário sobre a perda do brilho e o interesse pelo banal: “Uma coisa ficou clara depois das experiências dos últimos anos: a volta do utilitário não fez a liturgia mais aberta, senão mais pobre. A simplicidade necessária não se pode conseguir mediante um empobrecimento” (La Fiesta de la Fe, p. 135). E o mesmo Cardeal Ratzinger insistia: “Liturgia ‘simples’ não significa liturgia mísera ou reles: existe a simplicidade que provém do banal e outra que deriva da riqueza espiritual, cultural e histórica. Também nisso, deixou-se de lado a grande música da Igreja em nome da ‘participação ativa’, mas essa ‘participação’ não pode, talvez, significar também o perceber com o espírito, com os sentidos? Não existe nada de ‘ativo’ no intuir, no perceber, no comover-se? Não há aqui um diminuir o homem, reduzindo-o apenas à expressão oral, exatamente quando sabemos que aquilo que existe em nós de racionalmente consciente e que emerge à superfície é apenas a ponta de um iceberg, com relação ao que é a nossa totalidade? Questionar tudo isso não significa, evidentemente, opor-se ao esforço para fazer cantar todo o povo, opor-se à música ‘utilitária’. Significa opor-se a um exclusivismo (somente tal música), não justificado nem pelo Concílio nem pelas necessidades pastorais” (A Fé em crise?, pág. 96).

Dom Fernando Arêas Rifan