Os Desequilibrados

Essa palavra aqui significa apenas a falta de equilíbrio.

Dizem que quando apresentaram ao Papa B. Paulo VI uma imagem de Nossa Senhora do Equilíbrio, ele teria exclamado: “Santa Maria do Equilíbrio, é justamente dela que se precisa hoje!” Naquele tempo, no período do pós-concílio, a Igreja passava por momentos de extremismos, como agora.

O equilíbrio, que não é indecisão nem covardia, em termos de virtude chama-se prudência, a correta razão de agir. S. Tomás ensina que a virtude está no meio. No equilíbrio. Contra ela pode-se pecar por falta ou por excesso. Manter o equilíbrio é posição mais difícil do que cair nos extremos. A posição extremista pode parecer mais ortodoxa, mais firme e até mais atraente. Mas não é a mais correta, a mais honesta e a mais verdadeira.

Na questão social, por exemplo, a posição de equilíbrio está na doutrina social da Igreja: defende o papel da empresa, a economia de mercado, a livre criatividade no setor econômico e o direito de propriedade, combatendo o mercantilismo e o consumismo do capitalismo errôneo; defende os pobres, a justa distribuição de renda e o necessário contexto jurídico que ponha a economia ao serviço da liberdade humana integral, mas combate os erros do socialismo e do comunismo. Alguns pendem só para um lado e abraçam os erros: desequilíbrio! E, querendo combater os erros do capitalismo selvagem, caem no marxismo e defendem até a invasão da legítima propriedade alheia. Desequilibrados!

E os desequilibrados na liturgia da Igreja, transformando-a em programa de auditório!

E na doutrina? A heresia, escolha parcial do que se quer aceitar ao invés da adesão total à verdade, é um desequilíbrio. Alguns deram demasiado poder aos leigos. Outros não querem nem os escutar, quando justamente reclamam: desequilibrados! Erros graves na parte humana da Igreja sempre houve e haverá. Desde o tempo de Judas Iscariotes, escolhido por Jesus para ser seu Apóstolo. Desequilibrou-se para o lado do dinheiro!

Nem por isso perdemos a fé em Jesus Cristo e na sua Igreja.

Sobre a obediência devida aos Pastores da Igreja, o direito e o dever da crítica a eles, o Direito Canônico mostra bem a posição de equilíbrio necessária:

“Os fiéis, conscientes da sua responsabilidade, têm obrigação de prestar obediência cristã àquilo que os sagrados Pastores, como representantes de Cristo, declaram na sua qualidade de mestres da fé ou estabelecem como governantes da Igreja”.

“Os fiéis têm a faculdade de expor aos Pastores da Igreja as suas necessidades, sobretudo espirituais, e os seus anseios”.

“Os fiéis, segundo a ciência, a competência e a proeminência de que desfrutam, têm o direito e mesmo por vezes o dever, de manifestar aos sagrados Pastores a sua opinião acerca das coisas atinentes ao bem da Igreja, e de a exporem aos restantes fiéis, salva a integridade da fé e dos costumes, a reverência devida aos Pastores, e tendo em conta a utilidade comum e a dignidade das pessoas” (Cânon 212, §§ 1, 2 e 3).

Há, porém, os que, pretendendo corrigir os erros, perdem os limites e caem no desrespeito e na falta de ponderação nos julgamentos: desequilibrados! Se não guardam a reverência devida e o respeito para com as pessoas, suas críticas, mesmo razoáveis, perdem legitimidade e eficácia.

Na ânsia de atacar o erro por falta, cai-se no erro por excesso, e vice-versa. O fundamentalismo e extremismo sectários são desequilibrados. A diferença entre o remédio e o veneno está na dose. A proporção faz a bondade ou a malícia.

Aplico aqui aos desequilibrados, de todos os matizes, o que o célebre jornalista e pensador inglês Chesterton (1874-1936), que se converteu ao Catolicismo em 1922, escrevia sobre os doidos ou maníacos, que são os desequilibrados por excelência:

“Os desequilibrados são, frequentemente, grandes pensadores… A última coisa que poderá ser dita acerca de um desequilibrado é que suas ações são desprovidas de causa… Ele vê sempre razão demasiada em todas as coisas. O desequilibrado poderá mesmo atribuir uma intenção conspiratória a algumas atividades sem sentido praticadas pelo homem sadio… Uma de suas características mais sinistras é a espantosa clareza nos pormenores: as coisas ligam-se umas às outras em um plano mais intrincado do que um labirinto. Se você discutir com um desequilibrado, muito provavelmente levará a pior, pois a mente do alienado, em muitos sentidos, move-se muito mais rapidamente porque não se detém em coisas que preocupam apenas quem tem bom raciocínio… A explicação que um desequilibrado dá a respeito de qualquer coisa é sempre completa e, por vezes, satisfatória, num sentido puramente racional… O desequilibrado vive na arejada e bem iluminada prisão de uma única ideia, e todo o seu espírito converge para um ponto afiado e doloroso, sem aquela hesitação e complexidade próprias das pessoas normais… Os desequilibrados nunca têm dúvidas…” (Chesterton, Ortodoxia).

Quer dizer, com tais pessoas não adianta discutir: eles estão sempre certos!

Ou seja, o desequilibrado é uma pessoa cheia de lógica e razão, pode impressionar os incautos e causar confusão nos menos avisados. Mas lhe falta o bom senso, o que torna uma pessoa normal. A diferença entre o certo e o errado é, às vezes, sutil. São Bento, na sua regra, nos adverte: “Há caminhos considerados retos pelos homens cujo fim mergulha até o fundo do inferno” (V 22).

Nossa Senhora do Equilíbrio, rogai por nós!

*Bispo da Administração Apostólica São João Maria Vianney http://domfernandorifan.blogspot.com.br/