Transfiguração na Quaresma?

Por Pe. Gaspar S. C. Pelegrini

Contemplando o Evangelho da Transfiguração de Jesus, poderíamos nos perguntar: Jesus se transfigura em plena Quaresma?

Não parece estranho o evangelho da Transfiguração na Quaresma, neste tempo de mais austeridade e penitência? Não! De fato este evangelho está no domingo certo. É muito apropriado que nós meditemos hoje sobre a transfiguração de Jesus por dois motivos: um relacionado ao passado e outro relacionado ao que nos espera, nos aguarda.

Quanto ao passado: o que contemplamos no último domingo?

A tentação de Jesus. Vimos Jesus no monte da tentação, vimos Jesus na sua fragilidade, sentindo fome, permitindo que o demônio o tente. Hoje contemplamos Jesus na sua glória, na sua majestade, na sua divindade.

Se na semana passada era Jesus no monte da tentação, hoje é Jesus no monte da sua transfiguração, no monte da sua glória.

No domingo passado comtemplamos Jesus tendo ao seu lado o Demônio que tenta falar com ele, tenta falar de pão, de aplausos, de glória, de reinos, de riquezas.

Hoje nós comtemplamos as duas grandes figuras da história da salvação no antigo testamento, Moisés e Elias, que falam com Jesus. E falam de que? Falam de sua paixão, de sua morte, e como diz S. Lucas, falam do seu êxodo.

Quando contemplamos Jesus sendo tentado, na sua fragilidade, nós não podemos esquecer sua Divindade. Se ele se submeteu à tentação é porque podia vencê-la. Era, pois, só para nos ensinar como vencer a tentação.

Assim a transfiguração lança um raio de luz em nossa fé. A Igreja tem essa preocupação de que nós não tenhamos uma ideia errada de Jesus. Se nós o vimos tentado, não podemos nos esquecer da sua glória, da sua divindade, a sua impecabilidade, pois a tentação de Jesus era só externamente, não provocava o seu interior como acontece conosco.

O que nos aguarda.

E mais ainda, o Evangelho da transfiguração nos prepara para aquilo que nos aguarda, aquilo que nos espera. Daqui a algumas semanas, acompanhando Jesus vamos também a outro monte, o monte das oliveiras. Lá vamos comtemplar Jesus sob outro aspecto, em outra imagem. Lá não vai ser Jesus transfigurado, mas vai ser um Jesus desfigurado. Lá no jardim das Oliveiras não vai ser Jesus com as vestes resplandecentes, brancas como a neve, mas empapadas no seu suor e no seu sangue.

No Jardim das oliveiras vamos comtemplar Jesus, não envolto nesta nuvem que agora o envolve na transfiguração, mas Jesus envolto pela noite, envolto pelas trevas (o próprio Jesus vai usar esta expressão: é a hora do poder das trevas, potestas tenebrarum). Lá no Jardim das Oliveiras não vai haver a voz do Pai que diz: “Este é meu filho bem amado”. Lá vai estar Jesus que se faz pecado por nós, que assume as nossas faltas, os nossos pecados para carregá-los por nós. Lá não vai ser o Pai que fala mas o filho que fala com o Pai: “Pai, se possível afasta de mim este cálice”. E o Pai que aparentemente não ouve o seu filho, aparentemente não lhe dá uma resposta.

De modo que o evangelho da transfiguração vai preparar-nos para que, quando comtemplarmos Jesus na sua paixão, na sua desfiguração, na sua nova tentação (a grande tentação), não nos esqueçamos que aquele desfigurado, aquele cujo corpo vai se tornar uma chaga viva, sobre ele também o Pai pode dizer: Este é o meu filho muito amado. Mesmo sem o esplendor da sua glória ele é o filho muito amado de Deus, é o filho de Deus. Nós também, contemplando Jesus na sua paixão, devemos poder dizer como o centurião, arrematando por assim dizer toda a narrativa da paixão de Jesus: “Verdadeiramente este era o Filho de Deus”.